Transfobia: Justiça condena supermercado a indenizar trabalhadora trans que descarregava caminhão com cargas pesadas

27 jun 2025

A Justiça do Trabalho condenou um supermercado ao pagamento de indenização por danos morais a uma trabalhadora transgênero que sofreu discriminação no ambiente de trabalho. O conjunto de provas analisado pelos julgadores demonstrou que a trabalhadora recebia a tarefa de descarregar caminhão com cargas pesadas. Entretanto, ficou provado que somente os homens da empresa eram acionados para realizar o descarregamento dos caminhões, além da autora da ação. A decisão foi proferida pelos julgadores da Primeira Turma do TRT-MG, que, à unanimidade, mantiveram a sentença da juíza Fernanda da Rocha Teixeira, oriunda da Vara do Trabalho de Patos de Minas, apenas reduzindo o valor da condenação de R$ 10 mil para R$ 5 mil, conforme quantia pedida na petição inicial.

A trabalhadora trans relatou que foi contratada em fevereiro de 2023 para exercer a função de repositora de mercadorias, e foi dispensada em novembro de 2024. Acrescentou que, desde o início, realizava atividades diferentes da função para a qual foi contratada, como assar pães, limpar a cozinha e áreas afins, repor frios, gerar etiquetas, descarregar caminhões, organizar e conferir mercadorias, entre outras. Ela anexou ao processo vídeos e fotografias para provar o desempenho de atividades variadas durante o contrato de trabalho.

Segundo a testemunha indicada pela trabalhadora, “apenas homens descarregam caminhão” e “a autora era a única mulher acionada para realizar o descarregamento”. Acrescentou que a trabalhadora demonstrava incômodo ao ser acionada para essa atividade e “sempre a chamavam com risos e ‘gracinhas'”.  Já a testemunha indicada pela empresa declarou jamais ter visto mulheres realizando a tarefa.

No exame da prova, a juíza Fernanda da Rocha Teixeira ponderou que as tarefas eram repassadas à trabalhadora trans em tom de deboche. Conforme enfatizou a magistrada, não há dúvida de que pessoas transgênero “enfrentam preconceito e discriminação no cotidiano, tornando essencial a promoção de uma cultura de respeito à diversidade e a repressão de condutas discriminatórias que reforcem a exclusão social. O empregador tem o dever de garantir um ambiente de trabalho seguro, respeitoso e livre de discriminação, promovendo a dignidade de seus empregados e coibindo quaisquer situações vexatórias. A construção de um ambiente laboral justo e inclusivo é essencial para assegurar a igualdade de oportunidades e o respeito à diversidade”.

Com base nesse entendimento, a juíza de primeiro grau julgou procedente o pedido de acúmulo de funções e, em consequência, condenou o supermercado ao pagamento da diferença salarial correspondente. A magistrada também condenou o supermercado ao pagamento de uma indenização por danos morais, no valor de R$ 10 mil, considerando que o valor apontado na petição inicial é de mera estimativa. Na visão da julgadora, o supermercado desrespeitou a dignidade da trabalhadora ao permitir que ela fosse a única mulher a fazer tarefas que só eram feitas por homens na empresa, provavelmente com a desculpa de que isso se justificaria por causa da força física da profissional.

O supermercado recorreu da sentença. No julgamento do recurso, a relatora do caso, juíza convocada Ângela Castilho Rogêdo Ribeiro, enfatizou que houve tratamento discriminatório em razão da identidade de gênero, em absoluto desrespeito à dignidade da trabalhadora. A decisão considerou provada a ofensa diária e sistematizada sofrida pela autora, uma vez que, de forma recorrente, era a única mulher obrigada a realizar atividade destinada apenas a homens na empresa.

Foi destacado que a limitação legal de peso prevista no artigo 198 se aplica igualmente à mulher transgênero, uma vez que a interpretação da norma deve ser protetiva e deve observar a identidade de gênero. Além disso, apontou-se que a mulher transgênero pode se submeter a procedimentos que impactam suas características físicas.

No voto, a relatora frisou que “a transfobia é conduta reprovável, vez que atenta contra a dignidade da pessoa humana, alçada à condição de fundamento da República (artigo 1º da CF), além de afrontar direitos fundamentais da reclamante assegurados constitucionalmente, tais como o direito à liberdade e à intimidade”.

A decisão reportou-se à Resolução nº 17/2019 da ONU e à Constituição Federal, que garantem igualdade de tratamento e vedam qualquer forma de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. A relatora ressaltou ainda que atitudes preconceituosas como as constatadas no processo afrontam princípios trabalhistas, como o valor social do trabalho e a dignidade do trabalhador.

Com base em normas nacionais e internacionais, como a Lei nº 9.029/1995, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção nº 111 da OIT (Decreto nº 62.150/1968), a relatora reforçou que “a atitude ou comportamento discriminatório, ainda que velado e discreto, importa fato ilícito e grave”.

A magistrada entendeu que houve lesão à honra subjetiva e objetiva da trabalhadora, “já que muitos dos fatos narrados ocorriam ou eram do conhecimento de outras pessoas, o que resultava em humilhação, atingindo também o conceito e a imagem que a autora tinha de si própria”.

Por outro lado, a magistrada entendeu ser cabível a redução do valor da indenização, considerando que a própria autora limitou o pedido à quantia de R$ 5 mil. Para a relatora, a adequação do montante “fortalece o princípio da congruência entre o pedido e a condenação, garantindo que a reparação atenda ao caráter compensatório sem configurar enriquecimento sem causa”. Não cabe mais recurso da decisão. Atualmente, o processo já está na fase de execução dos créditos trabalhistas.

28 de Junho – Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+: por ambientes de trabalho mais inclusivos, acolhedores e livres de discriminação

O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, celebrado amanhã, 28 de junho, é um marco importante na luta por dignidade, respeito e igualdade de direitos para pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e outras identidades de gênero e orientações sexuais. A data tem origem na Revolta de Stonewall, de 1969, nos Estados Unidos, e se transformou em um símbolo da resistência contra a violência e o preconceito. Hoje, ela também nos convida a refletir sobre a inclusão dessas pessoas em todos os espaços sociais — inclusive no mundo do trabalho.

No Brasil, o Direito do Trabalho e a própria Constituição asseguram o princípio da igualdade e proíbem qualquer forma de discriminação no acesso e na manutenção do emprego. Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a homofobia e a transfobia sejam tratadas como crimes, com base na Lei do Racismo (Lei nº 7.716/1989). Isso reforça que atitudes preconceituosas no ambiente de trabalho — como exclusão em processos seletivos, tratamento desigual, desrespeito ao nome social, piadas ofensivas, isolamento ou dispensas motivadas por identidade de gênero ou orientação sexual — são ilegais e passíveis de responsabilização.

Entretanto, a garantia legal, por si só, não basta. É essencial que os empregadores adotem práticas efetivas de inclusão, promovendo ambientes de trabalho seguros, diversos e respeitosos. Para isso, é importante estabelecer políticas internas claras contra a discriminação e o assédio, com orientações específicas sobre condutas inadequadas, canais de denúncia, apoio às vítimas e medidas disciplinares para quem praticar atos preconceituosos.

Também é fundamental investir na capacitação contínua das equipes, por meio de ações educativas que abordem temas como identidade de gênero, expressão de gênero, orientação sexual e respeito à diversidade, contribuindo para o enfrentamento de estigmas e o aumento da consciência coletiva. O respeito ao nome social e à identidade de gênero deve ser garantido em todos os registros internos, como crachás, e-mails, contratos e sistemas administrativos, reconhecendo o direito de pessoas trans e travestis à sua identidade. Além disso, a promoção da equidade nas oportunidades — com a inclusão de pessoas LGBTQIA+ em processos seletivos, treinamentos, cargos de liderança e planos de carreira — é essencial para superar barreiras históricas de exclusão.

A criação de comitês de diversidade ou grupos de afinidade dentro das instituições pode fortalecer o diálogo interno e contribuir na formulação de políticas mais inclusivas, especialmente quando construídas com base na escuta ativa. Por fim, parcerias com instituições e coletivos especializados ajudam a ampliar o impacto das ações afirmativas e a fomentar projetos de empregabilidade direcionados à população LGBTQIA+, promovendo maior justiça e pluralidade no mundo do trabalho.

Fomentar ambientes de trabalho verdadeiramente inclusivos é mais do que cumprir obrigações legais: é valorizar talentos, respeitar a dignidade humana e promover a justiça social. Neste 28 de junho, data símbolo do orgulho LGBTQIA+, é fundamental reafirmar o compromisso com a diversidade e a construção de espaços laborais mais acolhedores, informados e igualitários. Ambientes onde cada pessoa possa ser quem é, sem medo ou censura, são também ambientes mais criativos, produtivos e humanos.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 27.06.2025

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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