Empresa é multada por inventar decisão e usá-la em ação trabalhista

06 jun 2025

Decisão da 5ª Turma ressaltou gravidade da conduta, comparando-a a um exercício “ficcional” e cogitando o possível uso indevido de inteligência artificial

A 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) condenou uma empresa por litigância de má-fé após ela indicar, como precedente, uma suposta decisão da própria Corte que, após consultas internas, foi constatada como inexistente. O colegiado ressaltou a gravidade da conduta da ré, comparando-a a um exercício “ficcional” e cogitando o possível uso indevido de inteligência artificial (IA).

O caso envolveu uma empresa do ramo de eletrodomésticos situada em Joinville, norte de Santa Catarina. No primeiro grau, por decisão da 3ª Vara do Trabalho do município, a ré havia sido condenada ao pagamento de adicional de insalubridade a um trabalhador e, para tentar reverter a sentença, incluiu na defesa a suposta jurisprudência.

O trecho foi apresentado como se fizesse parte de um caso real julgado pela 1ª Turma do TRT-SC. A suposta ementa afirmava que o adicional de insalubridade não deveria incidir sobre “períodos como feriados”, posicionamento que, caso partisse de um precedente verídico, daria suporte à tese da empresa.

Além do órgão julgador, o texto da defesa também incluía número de processo, data do julgamento e outros elementos para conferir aparência de legitimidade.

Precedente inexistente

No entanto, ao analisar o conteúdo apresentado, o relator do caso na 5ª Turma do TRT-SC, desembargador Marcos Vinicio Zanchetta, não localizou a decisão nos sistemas de jurisprudência do tribunal.

Diante da dúvida, o magistrado determinou que a Coordenadoria de Suporte Operacional do PJe realizasse buscas mais detalhadas, que confirmaram a inexistência do número de processo citado e a ausência do conteúdo nas bases oficiais.

Nem mesmo pesquisas externas, como em mecanismos de busca na internet, identificaram qualquer registro da decisão mencionada. Além disso, a data informada também não correspondia aos padrões de divulgação da jurisprudência do tribunal.

Deslealdade processual

Intimada a prestar esclarecimentos, a reclamada limitou-se a reconhecer que confiou em “em fontes que, inadvertidamente, levaram à inclusão de uma jurisprudência que não consta nos registros oficiais” do TRT-SC e não “apurou os dados” mencionados.

O argumento foi considerado insuficiente. Segundo o relator, a conduta da ré no processo tratou-se de “procedimento temerário, que se traduz em verdadeira deslealdade processual em face das demais partes processuais (em especial o autor e o magistrado)”.

Zanchetta complementou não ser possível saber se o “precedente” foi concebido por “um ser humano exercitando seus dons ficcionais, por uma das populares ferramentas de inteligência artificial, ou se constava em algum site que compila jurisprudências”.

Suspeita de IA

O relator ainda acrescentou que, caso o material tenha sido gerado por IA, não seria um episódio inédito. No próprio acórdão, ele anexou link para uma reportagem que relata um caso ocorrido nos Estados Unidos, em que um advogado apresentou decisões fictícias produzidas pelo “ChatGPT” e acabou repreendido pelo magistrado responsável pelo caso.

Multa

No processo da 5ª Turma, a conduta foi enquadrada com base no artigo 793-B, inciso V, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata da litigância de má-fé.

Por unanimidade, o colegiado aplicou multa de 9,9% sobre o montante atualizado da causa (que, em 2024, tinha valor inicial de R$ 90 mil), a ser revertida em favor do trabalhador. Também foi determinado o envio de ofício à seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC), a fim de que a entidade adote as providências que entender cabíveis.

O prazo de recurso está encerrado.

Processo: 0001701-84.2023.5.12.0016

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 12ª Região Santa Catarina, por Carlos Nogueira, 05.06.2025

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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