Racismo recreativo e religioso geram dano moral e rescisão indireta a vendedora

09 abr 2025

Decisão proferida na 13ª Vara do Trabalho da Zona Leste-SP condenou empresa a pagar danos morais no valor de R$ 50 mil a vendedora angolana vítima de assédio moral, materializado em reiteradas e odiosas condutas discriminatórias. As agressões também motivaram a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta. De acordo com os autos, os xingamentos eram feitos verbalmente e por Skype.

Em audiência, a testemunha autoral relatou que dois chefes falavam que a trabalhadora cheirava mal, utilizando termos como “sovaquenta” e que a chamavam de “Juma”, para dizer que ela não tinha asseio ou civilidade. O depoente revelou também que um supervisor disse que a trabalhadora pertencia a uma classe moralmente inferior em termos religiosos, porque a crença dela matava animais. Contou ainda que a ré não adotou providências para impedir comportamentos desse tipo.

Na contestação, a companhia alegou que o apelido “Juma” teria sido utilizado em conversa restrita e o apresentou como algo inofensivo e até mesmo elogioso. No entanto, para a juíza Aline Soares Arcanjo, “resta evidente a prática de racismo recreativo”. Na decisão, ela destacou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (Resolução 598/2024). A orientação estimula a reflexão sobre “o impacto de microagressões raciais, que são manifestações sutis frequentemente disfarçadas de comentários inofensivos ou brincadeiras”. E ponderou que, embora subestimada, essa conduta tem impactos profundos no ambiente de trabalho e na vida das pessoas.

A magistrada analisou também o racismo religioso do qual a reclamante foi vítima, mencionando o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, organizado pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho. De acordo com o documento, o racismo religioso consiste em um “conjunto de práticas violentas que expressam a discriminação e o ódio pelas religiões de matriz africana ou indígenas, por seus adeptos, assim como pelos territórios sagrados, tradições e culturas afro-brasileiras ou indígenas”. A norma também foi utilizada na apreciação do caso diante da “nítida sobreposição de múltiplos fatores de discriminação, destacadamente gênero e raça”.

Ao julgar, a magistrada pontuou que “a falta de resposta patronal apenas reforça a discriminação múltipla, estrutural e institucionalizada a que era submetida a reclamante” e concluiu que ficou evidenciada a violação à dignidade e aos direitos da personalidade da trabalhadora. Por fim, destacou que a mulher não pediu demissão porque obteve novo emprego, mas foi compelida a procurar outro serviço dada a situação insustentável. Conforme depoimento, a autora saiu da ré para trabalhar em outro local, recebendo comissões mais baixas e R$ 1 mil a menos de salário fixo para “poder ter paz de espírito”.

Considerando as práticas constatadas, a juíza determinou a expedição de ofícios ao Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e ao Ministério Público Estadual para providências cabíveis.

Processo pendente de análise de recurso.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região São Paulo, 08.04.2025

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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