Juiz de Vacaria condena empresa a indenizar auxiliar de limpeza assediada sexualmente

08 ago 2024

Uma auxiliar de limpeza assediada sexualmente pelo supervisor deve ser indenizada pela empresa de serviços especializados na qual trabalhou. A decisão é do juiz Eduardo Batista de Vargas, da Vara do Trabalho de Vacaria, que decidiu a ação com base no Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A reparação foi fixada em R$ 20 mil.

De acordo com o processo, durante o contrato de trabalho, entre outubro de 2019 e agosto de 2021, a empregada passou por situações em que o superior se comportou de forma inadequada diversas vezes, inclusive na presença de outras pessoas.

Em seu depoimento, a autora da ação narrou que o chefe passou as mãos em suas pernas, agarrou-a, beijou seu rosto e tentou acariciá-la. Uma testemunha mulher, que também trabalhou na empresa, disse ter sido vítima dos mesmos atos e que o supervisor mandava mensagens com expressões como “coração” e “fofa”. Ela ainda afirmou que foi despedida por não ter cedido às investidas do superior.

Outra testemunha, um colega da auxiliar, confirmou que viu o supervisor abraçando e pegando na cintura de outras empregadas, além de o ter visto acariciando as costas da autora e de outras trabalhadoras. O homem confirmou que o chefe fazia isso com todas as empregadas e que presenciou a auxiliar se queixando do comportamento do superior.

A empresa negou as alegações e qualquer conduta imprópria. Informou que “mantém práticas rigorosas para prevenir assédio, inclusive com canais de denúncia anônimos”. Afirmou que as mensagens apresentadas pela trabalhadora não comprovam assédio; ao contrário, “demonstram um relacionamento afável entre a reclamante e seu supervisor”.

Para o juiz Eduardo, a consistência dos depoimentos das testemunhas e os relatos da autora indicaram a existência de assédio sexual.

“Os fatos narrados na inicial, e provados, são incompatíveis com o dever de garantia pelo empregador de um ambiente de trabalho neutro e psicologicamente saudável”, afirmou o magistrado. “O procedimento do empregador, por meio de um de seus prepostos, violou princípios humanos basilares protegidos pela Constituição Federal, tais como a intimidade, vida privada, honra e imagem”, completou.

O magistrado ainda considerou “particularmente preocupante” a tentativa da empresa de atribuir à empregada conversas inapropriadas que levaram o supervisor ao tratamento “discutível”.

“Este tipo de argumentação perpetua a cultura do assédio ao sugerir que a responsabilidade pelo comportamento impróprio recai sobre a vítima, insinuando que mulheres não podem agir de forma afável ou se vestir de maneira mais descontraída, sob pena, na concepção ultrapassada da reclamada (para dizer o mínimo), de serem as próprias causadoras do ato delitivo”, concluiu o juiz.

Cabe recurso da decisão.

Assédio sexual 

Incluído no Código Penal (art. 216-A), por meio da Lei 10.224/2001, o crime consiste em “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição se superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício, emprego, cargo ou função”, com pena prevista de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Na legislação trabalhista pode constituir-se, também, como “incontinência de conduta”, prevista no art. 482, “b”, da CLT, ensejadora, inclusive, de justa causa do empregador para rescisão do contrato.

Encontra, ainda, fundamento legal nos artigos 5º, incisos V e X, da CF/88 e ainda artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.

Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 

Instituído pelo CNJ (Portaria CNJ n. 27, de 2 de fevereiro de 2021Abre em nova aba), destaca a importância de considerar o contexto de desigualdade de gênero.

O Protocolo foi desenvolvido no contexto das persistentes desigualdades sociais no Brasil, apesar dos princípios igualitários da Constituição.

Foi criado para orientar a magistratura, visa promover a igualdade substantiva e a equidade, reconhecendo o papel fundamental do direito nesse processo.

Integrando-se a sistemas internacionais de proteção, o documento adota um modelo latino-americano e segue as recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O documento aborda a hipossuficiência processual das vítimas, que se refere à desigualdade de poder ou de recursos entre as partes envolvidas no processo. O valor probatório da palavra da vítima é destacado.

Segundo o Protocolo, a vítima muitas vezes se vê silenciada e enfrenta a dificuldade de demonstrar que não consentiu com a violência sofrida. Isso é relevante nos casos de delitos contra a dignidade sexual, nos quais as violações podem ocorrer em contextos privados, sem testemunhas diretas ou evidências materiais óbvias.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul, por Sâmia de Christo Garcia, 07.08.2024

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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