Alojamentos com mofo, jornadas exaustivas e sistema de endividamento: os motivos que levaram juiz do TRT-4 a manter empresa na Lista Suja do trabalho escravo

15 mar 2024

Alojamento com paredes e tetos mofados, colchões velhos e desgastados, inexistência de camas para todos os trabalhadores, mobiliário precário e insuficiente, jornadas exaustivas e sistema de endividamento. Foi com base nessas informações resultantes de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e outras provas que o juiz da 20ª Vara do Trabalho de Porto Alegre Marcelo Bergmann Hentschke manteve o nome da empresa Agroaraçá Indústria de Alimentos, de Serafina Corrêa, na Lista Suja de empregadores que submeteram pessoas a trabalho escravo. Vinte e seis trabalhadores foram resgatados na oportunidade.

O magistrado julgou mandado de segurança impetrado pela agroindústria. Liminarmente, o magistrado já havia rejeitado o pedido de retirada do cadastro na Lista Suja.

O auto de infração com 19 laudas, relativo à fiscalização do MTE iniciada em 11 de julho de 2022, foi lavrado em 27 de janeiro de 2023. Já o julgamento dos recursos administrativos foi concluído no dia 11 de maio, com a inclusão da empresa no cadastro em 5 de outubro do ano passado.

A defesa da agroindústria alegou que foi surpreendida com a inclusão no cadastro do MTE. Argumenta que não foi concedido prazo para correção das irregularidades encontradas, infringindo o dever de orientação e o princípio da dupla visita. Também que a multa aplicada teria sido “por não disponibilizar, nas áreas de trabalho, instalações sanitárias compostas de vaso sanitário e lavatório, ou disponibilizar vaso sanitário e lavatório em desacordo com a Norma Regulamentadora 31”.

A empresa sustenta que a infração não afrontaria a dignidade, segurança ou saúde, sendo mera irregularidade administrativa, alegando que ato não configura trabalho escravo. Além disso, relata que estava em tratativas com o Ministério Público do Trabalho para firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). E que já havia rescindido os contratos com as empresas terceirizadas que prestavam o serviço.

Em sua decisão, o juiz Marcelo Marcelo Bergmann Hentschke destaca que a empresa apresentou sua defesa e recurso administrativo quanto ao auto de infração. E que o requerimento do TAC foi feito em 18 de outubro de 2023.

“…a inclusão da ora impetrante no cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo somente foi feita após transcurso de todos os prazos legais de defesa e recurso possíveis na esfera administrativa”, destacou o magistrado.

Quanto ao princípio da dupla visita alegado, lembra que somente é aplicado quando a irregularidade detectada é de médio ou baixo risco. E sendo que nos casos de alto risco, o princípio pode ser desconsiderado e pode haver a aplicação da multa logo na primeira visita.

“Esta é, com certeza, a situação destes autos, dada a gravidade dos fatos retratados no auto de infração”, pontuou.

Em relação ao requerimento de TAC, afirma que nada modifica esta situação, considerando que a caracterização do trabalho análogo à condição de escravo restou comprovada.

“…a empresa impetrante, mesmo ciente do auto de infração que relatou graves situações na execução de atividades dirigidas pela impetrante – as empresas terceirizadas estavam lhe prestando serviços com seus empregados – somente foi solicitar o ajuste de um TAC com o Ministério Público do Trabalho após sua inclusão no cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à condição de escravo”, mencionou o juiz.

O magistrado traz na sua decisão trechos do auto de infração que motivaram a inclusão da empresa na Lista Suja:

  • Recrutamento e contratação de trabalhadores, via de regra em situação de vulnerabilidade econômica e social, de outras regiões do RS, de outros Estados (Paraná, São Paulo e Bahia) e de outro país (Paraguai);
  • Trabalhadores sem registro empregatício;
  • Falsas promessas em relação à formalização do vínculo, salário e outros benefícios;
  • Trabalhadores eram inseridos num sistema de endividamento;
  • A dívida mantinha o trabalhador na atividade até a sua completa quitação;
  • Eram transferidos aos empregados custos próprios do negócio, como o valor da taxa de agenciamento, da passagem, do uniforme e do calçado de segurança;
  • Descontos com moradia e alimentação extrapolavam os limites previstos em lei;
  • Descontos referentes às faltas ao trabalho eram abusivos;
  • Havia a extrapolação da jornada máxima permitida em atividade insalubre e não ergonômica;
  • Não era respeitado o intervalo intrajornada;
  • Não havia instalação sanitária, água potável e local para guardar e consumir alimentos na frente de trabalho;
  • Alojamentos com paredes e tetos mofados, colchões velhos e desgastados e falta de camas para todos trabalhadores.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul, por Eduardo Matos, 14.03.2024

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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