Semana das Mulheres: JT anula pedido de demissão e determina indenização para mãe negra, lactante e imigrante

07 mar 2024

Para marcar a Semana das Mulheres, o TRT-MG traz uma coletânea de casos decididos à luz do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, que estabelece orientações para que os julgamentos realizados considerem a igualdade e a não discriminação, especialmente no que diz respeito às questões de gênero. Em alguns casos, o número do processo foi omitido, para preservar a privacidade das pessoas envolvidas. Acompanhe!

Na 1ª Vara do Trabalho de Uberaba, foi submetida ao julgamento do juiz Manolo de Las Cuevas Mujalli a ação trabalhista de uma mãe, lactante, negra e imigrante. Ela pretendia a anulação do seu pedido de demissão e uma indenização por danos morais, por ter perdido o emprego quando ainda estava grávida. Ao examinar o conjunto de provas, o magistrado deu razão à trabalhadora. Ele verificou que ela estava desempregada, com uma criança recém-nascida, desamparada em momento de fragilidade. Além disso, o julgador constatou que houve irregularidade no ato demissional, que foi realizado sem a presença do sindicato ou órgão competente.

Na ação, a trabalhadora pediu a nulidade do ato de demissão realizado pela empresa. Ela argumentou que a dispensa foi injusta e desrespeitou seus direitos trabalhistas, especialmente por se tratar de uma empregada lactante, imigrante e negra em um momento de fragilidade, como a maternidade. Além da nulidade da demissão, a trabalhadora requereu indenização por danos morais. Ela alegou que a resilição contratual em um momento tão sensível de sua vida, sem considerar sua condição de vulnerabilidade social, causou-lhe prejuízos emocionais.

Em defesa, a empregadora contestou os pedidos de nulidade do ato demissional e de indenização por danos morais. Alegou que não houve irregularidade na resilição e que não caberia o reconhecimento de danos morais vivenciados pela trabalhadora, já que os fatos não são suficientes para caracterizar conduta patronal irregular. A empresa argumentou que não houve vício de vontade no ato de demissão da trabalhadora. Alegou que a empregada pediu demissão por não ter com quem deixar sua filha recém-nascida, o que não configuraria um vício na vontade, mas uma decisão pessoal da empregada.

Conforme pontuou a sentença, a validade do pedido de demissão da empregada gestante, detentora de garantia provisória (art. 10, II, “b” do ADCT), está condicionada à assistência do respectivo sindicato ou da autoridade do Ministério do Trabalho, nos termos do artigo 500 da CLT. Como esse requisito não foi cumprido, o juiz considerou irrelevante investigar se a trabalhadora foi ou não influenciada a assinar o pedido de demissão. Isso porque, sem a assistência legal, o pedido de demissão não produz efeito, diante da nulidade.

Na percepção do julgador, as dificuldades da trabalhadora para encontrar alguém que pudesse cuidar da filha recém-nascida dela não afasta a responsabilidade social da empregadora. Inclusive, a proteção à gestante e à lactante é tão importante que a própria CLT impõe a empresas com pelo menos 30 mulheres empregadas, com idade acima de 16 anos, a obrigação de proporcionar local apropriado para guarda e assistência dos filhos durante o período de amamentação (artigo 389, parágrafo 1º, da CLT).

O juiz frisou que a empresa, além de não observar os requisitos legais para a ruptura contratual, também feriu princípios fundamentais da legislação brasileira, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), a proteção à maternidade e à infância (art. 6º, CF) e, notadamente, a função social da empresa (art. 5º, XXIII c/c art. 170, III, CF), que abrange objetivos além da maximização dos lucros, traçando diretrizes de respeito aos direitos dos trabalhadores, à garantia de emprego pleno e digno, à preservação de um meio ambiente saudável de trabalho, entre outros.

Chamou a atenção do juiz a falta de cuidado jurídico da empresa ou mínimo esforço para manter a trabalhadora, que contava com quase seis anos de trabalho. Também chamou a atenção dele a narrativa da empresa sobre a dificuldade da mulher, que não tinha com quem deixar a criança. Mas, ao mesmo tempo, ela precisava do emprego para sustentá-la. Esse é um tipo de problema muito comum, enfrentado pelas mães trabalhadoras no Brasil. Por isso, o magistrado entendeu que a empregadora deveria ter procedido com maior cuidado e cumprido a sua função social, como grande empresa que é. “A mãe é capaz de dar a vida pelo seu filho, o que dirá pedir demissão durante o período de estabilidade por não ter com quem o deixar”, ponderou.

Com base nesse entendimento, o juiz anulou o pedido de demissão e converteu a ruptura contratual em dispensa imotivada. A sentença reconheceu o direito da trabalhadora à estabilidade provisória até o dia 6/2/2022, considerando a data do nascimento do bebê em 6/9/2021, bem como a conversão do benefício em indenização substitutiva. A empresa foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil.

Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero

O protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2021, é um documento que serve como um guia para que as decisões judiciais sejam tomadas levando em consideração a perspectiva de gênero. Ele tem o objetivo de garantir o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas, buscando evitar a repetição de estereótipos e a perpetuação de diferenças no sistema judiciário.

O protocolo destaca a importância de se considerar as diversas interseccionalidades das minorias e grupos vulneráveis, visando manter um ambiente de trabalho que acolha a todos e evite práticas discriminatórias. Ele ressalta a necessidade de romper com culturas de discriminação e preconceitos, buscando promover a igualdade de gênero e a inclusão no mercado de trabalho.

Conforme pontuou o magistrado, o termo “interseccionalidades” refere-se a múltiplas formas de discriminação que uma pessoa pode enfrentar devido à interação de diferentes características, como gênero, raça, classe social, entre outras. No caso da mãe negra, imigrante e lactante, é importante considerar não apenas sua condição de mulher e mãe, mas também sua identidade racial, que pode torná-la ainda mais vulnerável a discriminações e obstáculos no ambiente de trabalho.

Ao aplicar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero ao caso retratado, o juiz buscou garantir a proteção dos direitos da reclamante, considerando sua condição de mulher negra, imigrante e lactante, e analisando a conduta da empresa sob essa perspectiva.

A empresa recorreu, mas os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG confirmaram a sentença. Atualmente, o processo está em fase de execução.

PJe: 0010761-89.2022.5.03.0041

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 07.03.2024

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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