Empregada de supermercado assediada sexualmente pelo chefe tem reconhecida rescisão indireta do contrato e será indenizada

03 maio 2023

A autora trabalhava em supermercado na capital mineira e era sexualmente assediada pelo chefe. Foi o que constatou a juíza Priscila Rajão Cota Pacheco, em sua atuação na 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, ao julgar a ação ajuizada pela empregada contra a rede de supermercados. A magistrada reconheceu o pedido da trabalhadora de rescisão indireta do contrato de trabalho, condenando a rede de supermercados ao pagamento das verbas rescisórias decorrentes, como aviso-prévio indenizado, 13º salário e férias + 1/3 integrais e proporcionais e multa de 40% do FGTS. A empresa ainda foi condenada a pagar à profissional indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil. Os julgadores da Décima Turma do TRT-MG aumentaram o valor da indenização por danos morais para R$ 20 mil.

Rescisão indireta

Conforme constou da sentença, a rescisão indireta do contrato de trabalho equivale à justa causa do empregador. Ocorre quando o empregador pratica falta grave, entre as previstas no artigo 483 da CLT, a qual deve ser provada pelo empregado.

“Ainda que o Direito do Trabalho dê prevalência à continuidade e à manutenção do pacto laboral, não deve ser perpetuado um contrato de trabalho no qual a contraprestação é relegada, sob pena de subversão de toda a lógica inerente a este ramo especializado do Direito”, destacou a juíza.

Segundo a magistrada, não é qualquer descumprimento de obrigação contratual que autoriza a rescisão indireta. Para tanto, a falta grave praticada pelo empregador deve resultar na quebra da confiança, de forma a tornar impossível a continuidade do vínculo de emprego.

Assédio sexual – Conduta tipificada no Código Penal

De acordo com a julgadora, não há dúvida de que o assédio sexual, se provado, autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho, já que a conduta é de tamanha gravidade que foi tipificada como crime no artigo 216-A do Código Penal, nos seguintes termos: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” A pena é de um a dois anos de detenção.

Prova testemunhal

No caso, o relato de uma testemunha apresentada pela autora foi decisivo para a condenação da empresa. Para a julgadora, o depoimento conteve riqueza de detalhes sobre situações que foram presenciadas pela testemunha e que comprovaram o assédio sexual sofrido pela empregada.

A testemunha, que trabalhava em setor vizinho, afirmou ter presenciado o gerente se reportando à autora com conduta e/ou fala de conotação sexual, por duas vezes. Afirmou que a colega não correspondia às investidas do chefe e que chegou a chorar duas vezes. Acrescentou que a relação da empregada com os demais colegas era normal e tranquila e que ela era “mais calada e evangélica”.

As falas da testemunha foram transcritas na sentença e chamaram a atenção da juíza: “Já presenciou o gerente falando para a reclamante que o seu noivo não era homem para ela, mas ele sim e que se ela ficasse com ele, pois ele tinha vontade, daria tudo para ela; teve uma situação que foi na frente de todos, na época de Natal, quando o supermercado distribuía carnes aos funcionários e a reclamante perguntou ‘este ano é peru? e o gerente respondeu: ‘por quê? Está faltando peru na sua casa? Eu te dou’”.

Segundo observou a magistrada, a testemunha confirmou que o gerente deixou de promover a empregada para setor para o qual ela havia recebido treinamento, em reprimenda à ausência de correspondência das suas investidas. A testemunha ainda mencionou que o chefe permanecia muito tempo no setor de trabalho da autora, sem razão aparente. Narrou que outros colegas de trabalho (e ela própria) passaram por situações constrangedoras com o gerente, sendo que muitos temiam suas reprimendas.

Embora a empresa tenha afirmado que mantinha canal de denúncia e que a empregada nunca registrou os fatos, não houve, no processo, qualquer evidência da existência da ouvidoria, seja na prova documental ou oral. De qualquer forma, na visão da magistrada, ainda que a autora tivesse denunciado o ocorrido, isso não afastaria o caráter ilícito das condutas já praticadas pelo gerente.

Para a julgadora, o fato de a testemunha apresentada pela empresa não ter presenciado o assédio sexual sofrido pela empregada não afasta a sua ocorrência. “Isso porque, como é sabido, o assédio sexual, dado o seu caráter íntimo, muitas vezes é praticado de forma dissimulada, sendo que, não raras vezes, a reação da vítima é silenciosa – seja pelo constrangimento sofrido, pelos transtornos de ordem pessoal dali desencadeados e/ou pelo temor de represálias por parte do agressor, entre outros vários motivos que se possa cogitar”, destacou a magistrada.

Na conclusão da juíza, a prova testemunhal foi suficiente para convencer de que a empregada sofreu constrangimento com o intuito de obtenção de vantagem ou favoritismo sexual, tendo o gerente se aproveitado da condição de superior hierárquico para praticar a conduta ilícita, nos termos do artigo 216-A do Código Penal.

Por essas razões, foi reconhecida a prática de falta grave pela empresa, na pessoa de seu preposto, o que levou à declaração da rescisão indireta do contrato de trabalho.

Danos morais

Segundo o pontuado na sentença, o dano moral passível de ser ressarcido por indenização é aquele que atinge a honra do indivíduo, tanto em seu enfoque subjetivo, consubstanciado na violência à sua intimidade e integridade moral, como sob o prisma objetivo, consistente na sua dignidade e imagem exteriorizada para o mundo.

Na análise da juíza, tendo em vista o que foi apurado, houve dano à dignidade, à honra e à imagem da trabalhadora, já que evidenciado o assédio sexual por parte do superior hierárquico, rechaçado pela empregada.

A testemunha da reclamante relatou que foram feitas denúncias por colegas de trabalho ao RH da empresa, que, entretanto, não surtiram efeito. Na visão da magistrada, isso demonstra que a empregadora se omitiu perante a conduta do gerente, seu preposto, ratificando a sua impunidade e contribuindo para a reiteração do assédio sexual contra a reclamante. De acordo com a conclusão adotada na sentença, estiveram presentes, no caso, os elementos necessários à obrigação de indenizar, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil: o dano, a culpa e o nexo causal entre eles.

O valor da indenização, de R$ 10 mil, foi fixado pela juíza levando em conta as condições das partes, a gravidade e a natureza do fato, o bem jurídico protegido, a repercussão do ato e a intensidade da culpa, com base no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, nos artigos 186, 927, caput, 932, III, do Código Civil e nos artigos 223-A, 223-B, 223-E e 223-G da CLT.

Para evitar futuros questionamentos, a magistrada ressaltou que o Plenário do TRT-MG já declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º a 3º, do artigo 223-G, da CLT, acrescidos pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017). As normas estabelecem uma espécie de tabelamento das indenizações com valores máximos a partir do salário recebido pela vítima, o que, segundo a juíza, “constitui violação ao princípio da dignidade humana e aos direitos fundamentais à reparação integral dos danos extrapatrimoniais e à isonomia, previstos nos art. 1º, III, e 5º, caput e incisos V e X, da CRBF/1988”. Os julgadores da Décima Turma do TRT-MG aumentaram o valor da indenização por danos morais para R$ 20 mil. Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 03.05.2023

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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