Mantida justa causa de empregada que extraiu documento da empresa para ser usado por ex-empregados em ação trabalhista

23 fev 2023

O juiz Fernando Saraiva Rocha, em atuação na 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora – MG, manteve a dispensa por justa causa de uma trabalhadora que se passou por outra pessoa para enganar a empregadora e ter acesso ao banco de dados da empresa. A profissional se utilizou de perfil de empregada já desligada para extrair relatório de livro-caixa do sistema e fornecê-lo a outros ex-empregados que ajuizaram ação contra a empresa.

Na avaliação do magistrado, a profissional praticou falta capaz de autorizar a dispensa por justa causa, a qual considerou válida. Dessa forma, julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade da dispensa aplicada.

Segundo o pontuado na sentença, não há necessidade de gradação de penalidades no caso, na medida em que se passar por outra pessoa é conduta grave o suficiente para romper o nível de confiança necessário à relação de emprego.  Para o juiz, a justa causa aplicada é sanção proporcional e compatível com a falta cometida pela ex-empregada.

O julgador ressaltou que a presunção de que o trabalhador necessita da remuneração para garantir o sustento próprio e de sua família fundamenta o princípio da continuidade da relação de emprego. Nesse contexto, cabe ao empregador demonstrar a falta grave praticada pelo empregado, conforme hipóteses taxativas indicadas no artigo 482 da CLT, o que foi cumprido pela empregadora.

Entenda o caso

A trabalhadora foi desligada, por justa causa, sob o argumento de ter indevidamente acessado o banco de dados da empresa, utilizando-se de perfil de empregada já desligada, a fim de extrair documento e fornecê-lo também a outros ex-colegas de trabalho para ajuizamento de ação contra a empregadora. O documento que teria sido obtido indevidamente pela profissional foi extraído do sistema em 8/9/2019.

A trabalhadora negou ter realizado o acesso e a extração dos documentos, atribuindo tais condutas à ex-gerente. Com o fim de comprovar sua tese, apresentou capturas de tela de conversas em aplicativo de mensagens, que, entretanto, não convenceram o magistrado. Para o juiz, não se teve certeza sobre os interlocutores, nem sobre a participação de prepostos da empresa. A prova foi considerada ilícita, nos termos do artigo 5º, incisos XII e LVI, da Constituição da República. Além disso, os documentos trouxeram referência a suposto livro-caixa extraído do sistema das empresas em 7/8/2019. Já o documento que teria sido obtido indevidamente pela ex-empregada teria sido extraído em 8/9/2019, mais de um mês após o arquivo indicado na mensagem. O julgador ainda ponderou que o fato de o gerente, em tese, ter realizado acesso ao banco de dados não afeta a responsabilidade da ex-empregada e não exclui a possibilidade de o acesso também ter sido realizado por ela.

Chamou a atenção do magistrado uma mudança na narrativa da profissional, revelada nessas mensagens de texto. Ela havia atribuído ao gerente o acesso e a extração dos documentos do sistema e, nas “conversas”, surgiu uma nova versão, no sentido de que sua senha teria sido alterada pelo “diretor”, o qual poderia ter se passado por ela para as práticas irregulares. “Essa inconsistência na postura processual, acerca de quem teria sido o responsável pelo acesso e pela extração do documento, retira credibilidade da versão dos fatos apresentada em inicial”, concluiu o julgador.

De outro lado, para o juiz, os demais elementos de prova, inclusive testemunhal, provaram que a trabalhadora, de fato, praticou a conduta irregular que lhe foi imputada pela empregadora e que fundamentou a dispensa por justa causa.

Documentos apresentados no processo provaram que a ex-empregada possuía perfil de padrão suficiente para realizar a ativação e inativação de perfis de outros empregados, assim como o acesso e a “geração de livro-caixa”. Testemunhas confirmaram que somente empregados de perfis gerenciais possuem essa competência dentro do sistema e o acesso exige, além de login e senha individuais, a autenticação em dois fatores. Não houve relato de uso de compartilhamento de logins e senhas entre os empregados.

Conforme apurado, o perfil da ex-empregada, supostamente utilizado pela profissional para a prática da conduta irregular, esteve ativo após o fim da sua relação de emprego com a empregadora, em período que abrange a data da extração do relatório do livro-caixa (em 8/9/2019). O mesmo não se pode dizer em relação ao gerente, já que, em 7/8/2019, quando ele teria extraído o documento, o perfil da ex-empregada estava inativo. Mais que isso, em 8/9/2019, o gerente também já havia se desligado da empresa, o que levou à presunção de que não mais possuía acesso ao sistema da empresa e, dessa forma, não poderia ter sido a pessoa que extraiu o documento.

Contribuiu para a confirmação da justa causa a demonstração, também por meio documental, que houve acesso da trabalhadora ao sistema da empresa em 8/9/2019. Somou-se a isso a inexistência de registro de que o sistema tenha sido acessado, nessa data, por outra pessoa de perfil superior, que não a ex-empregada, o que afastou a argumentação de que alguém poderia ter se passado por ela, utilizando-se de seu login e senha.

 O juiz destacou que, contrariamente, a prova documental aponta no sentido de que o perfil da profissional (gerente do cartão restrito) permitia a ativação e inativação de colaborador, assim como o acesso e a “Geração Relatório Livro Caixa”. Ele acrescentou que a “Geração Relatório Livro Caixa” também era acessível ao perfil da ex-empregada.

Reunidos esses elementos de convicção, o magistrado concluiu que a profissional realizou indevidamente a ativação do perfil da ex-empregada e, por intermédio do perfil, acessou e extraiu do sistema da empresa o documento relatório livro-caixa. Conforme ressaltou o juiz, a trabalhadora se passou por outra pessoa, a fim de ludibriar sua empregadora e ter acesso a documentos, “cuja natureza – sigilosa ou não – a esta altura pouco importa”, registrou.

Reconhecida a validade da dispensa por justa causa, foram julgados improcedentes os pedidos de condenação da ex-empregadora ao pagamento das verbas rescisórias relativas à dispensa sem justa causa, incluindo aviso-prévio e multa de 40% do FGTS. A trabalhadora postulou indenização por eventual estabilidade no emprego, a qual foi descartada, porque aplicável apenas quando se trata de dispensa arbitrária ou sem justa causa.  A sentença foi confirmada, por unanimidade, pelos julgadores da Décima Turma do TRT-MG. O processo já foi arquivado definitivamente.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 23.02.2023

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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