A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) transformou em dispensa imotivada a despedida por justa causa aplicada a um trabalhador que não conseguiu retornar ao serviço devido à interrupção de voos gerada pelo início da pandemia do novo coronavírus, em 2020. Ele é senegalês e viajou para seu país de origem no período das férias, entre fevereiro e março daquele ano, mesmo momento em que fronteiras e aeroportos foram fechados como forma de prevenção contra o vírus. Ao não conseguir retornar, foi despedido por abandono de emprego.
Para os desembargadores da 4ª Turma, a conduta da empregadora foi inadequada, já que não ficou comprovada a intenção do empregado em abandonar o serviço, o que teria ocorrido por circunstâncias alheias à sua vontade. A decisão confirma sentença da juíza Veridiana Ullmann de Campos, da 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
De acordo com informações do processo, o empregado trabalhava desde 2015 na empresa, uma terceirizada de coleta de lixo. Como argumentou ao ajuizar a ação, ele teria informado imediatamente à empregadora sobre a impossibilidade do retorno devido ao fechamento dos aeroportos tanto no Senegal como no Brasil, e que a empresa teria afirmado que seu contrato ficaria suspenso no período. No entanto, segundo as alegações, ao retornar, em setembro de 2020, soube que havia sido dispensado por justa causa. Diante disso, solicitou a rescisão indireta do contrato e o pagamento das verbas respectivas.
Na análise do caso em primeira instância, a juíza observou que para a configuração do abandono de emprego são necessários dois requisitos, um objetivo e outro subjetivo. Quanto ao primeiro, exige-se a passagem de tempo de 30 dias sem comparecimento ao trabalho. O elemento subjetivo é a comprovação da intenção deliberada do empregado de abandonar o serviço.
Como ressaltou a magistrada, o único depoimento do processo confirmou as alegações do empregado, segundo as quais teria avisado à empregadora imediatamente a respeito da impossibilidade de retorno pela ausência de voos. Por outro lado, como observou a juíza, o argumento de que as férias do trabalhador teriam se encerrado no dia 2 de março, antes, portanto, do fechamento de aeroportos, não condiz com a realidade, já que os cartões de ponto registram trabalho até 28 de fevereiro. Por último, a julgadora também frisou que a proibição de viagens passou a vigorar no Senegal no dia 15 de março, justamente no período em que o empregado se encontrava no país.
Diante desses elementos, a juíza entendeu que a empregadora não conseguiu comprovar o alegado abandono de emprego. “Não fica evidenciado nos autos que o reclamante tenha incorrido em conduta que justificasse a sua despedida motivada, posto que não provada sua intenção de abandonar o trabalho”, afirmou. “A empresa poderia, sabedora da situação pontual do reclamante de impossibilidade de retorno ao Brasil por questões alheias à sua vontade, colocá-lo em licença não remunerada, antecipar férias ou mesmo suspender o contrato, o que não restou comprovado por qualquer meio”, concluiu.
Descontente com o entendimento, a empregadora apresentou recurso ao TRT-4, mas os desembargadores da 4ª Turma mantiveram a sentença pelos seus próprios fundamentos. Conforme destacou a relatora do processo no colegiado, desembargadora Maria Silvana Rotta Tedesco, “em que pese a argumentação recursal, entende-se que não estão cabalmente demonstrados os elementos (objetivo e subjetivo) caracterizadores do abandono de emprego”. O entendimento foi acompanhado pelos demais integrantes da Turma, juíza convocada Anita Jobbe Lübbe e desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse. Cabe recurso do acórdão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul, por Juliano Machado, 07.10.2022
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