Justiça aplica leis brasileiras a trabalhador contratado em MT para gerenciar fazenda no Sudã

29 jul 2021

Trabalhador irá receber ainda indenização por danos morais resultante de atuar em área de conflito armado, constantes atrasos salariais e até insegurança alimentar

A Justiça do Trabalho em Mato Grosso condenou a empresa Sudanese Brazilian Modern Agricultural Project e um empresário brasileiro a arcar com o pagamento de verbas trabalhistas a um operador de máquinas agrícolas que prestou serviços em uma fazenda no Sudão. A condenação deu-se após ficar comprovada fraude na contratação do trabalhador para atuar em território estrangeiro.

Ao fim de um ano e dois meses no norte da África, o profissional ajuizou uma ação na Vara do Trabalho de Primavera do Leste, afirmando ter sido dispensando sem justa causa, juntamente com os demais trabalhadores, e sem a quitação dos salários atrasados. Apontou a existência de fraude na forma da contratação, sustentando que o empresário se utilizou das demais empresas para burlar a legislação trabalhista e previdenciária, e requereu o pagamento das verbas contratuais e rescisórias.

Ele relatou que recebeu a proposta de emprego do empresário em 2015, para gerenciar uma fazenda na região da cidade de Ad-Damazin, no Sudão e, concluídas as negociações quanto ao salário e atribuições que iria exercer, providenciou o passaporte e o restante dos trâmites correu a cargo do empresário, inclusive a compra das passagens aéreas. Instalado na fazenda em solo sudanês, recebia ordens do empresário, que permanecia no país africano cerca de 15 dias por mês.

Ao se defender, o empresário argumentou que a contratação e a prestação dos serviços ocorreram no Sudão não cabendo, desse modo, à Justiça do Trabalho brasileira julgar o caso.  Afirmou que apenas ajudava no recrutamento de pessoal para trabalhar, auxiliando no encaminhamento para emissão do visto, e que o trabalhador teria feito apenas negociações preparatórias em solo brasileiro, quando concordou em se deslocar para o Sudão, onde fechou as negociações e assinou o contrato.

Disse ainda que viajava ao país africano a cada dois ou três meses durante os 5 anos de projeto financiado com recursos do governo sudanês e quando esse começou a ruir por causa dos problemas políticos locais tentou ajudar os brasileiros a retornarem ao Brasil.

Entretanto, documentos e testemunhos comprovaram que a contratação do trabalhador ocorreu no Brasil, o que levou a Justiça do Trabalho a reconhecer a competência do judiciário brasileiro para julgar a ação.

Da mesma forma, ficou demonstrado que o empresário atuava como representante da empresa nos contratos, além de captador de recursos e facilitador de suas operações e que ele não só colaborou pessoalmente nas tratativas para envio de pessoal do Brasil ao Sudão, mas contratou trabalhadores para prestar serviços no país africano para a empresa.

Dentre os documentos incluídos no processo está o contrato registrado na Junta Comercial de São Paulo que criou a Sudanese Brazilian Modern Agricultural Project, sociedade empresarial tripartite formada pelo governo do Sudão e duas empresas. Nele, os sócios se comprometem a prestar seus serviços e esforços para a gestão de uma fazenda com uma área inicial de 70 mil feddans dentro da área do projeto em Agadi, na província de Blue Nile, para ser aplicar na área a tecnologia e o know-how agrícola brasileiro.

No processo consta ainda reportagem publicada na Revista Época com o título “Conheça quem são os pequenos empresários que descobriram a África e conquistaram espaço”, que informa  “Um dos exemplos desse movimento é protagonizado pela Brazilian Sudanese Agribusiness Company, criada há três anos pelo engenheiro e empresário brasileiro que faturou, em 2012, US$ 15 milhões (R$ 34,5 milhões aproximadamente) com o plantio de algodão no Sudão”.

A matéria jornalística relata ainda que o empresário importou do Brasil sementes, agrônomos, maquinários e a gestão para iniciar uma operação de 500 hectares de algodão às margens do rio Nilo Azul e que mantinha um contrato com o ministério da agricultura sudanês para plantar 80 mil hectares em cinco anos. “Pelo acordo, o empresário é responsável por levar ao país técnicas de plantio desenvolvidas no Brasil, além de dar treinamento a agrônomos e lavradores sudaneses. O governo do Sudão cede terras e banca parte do investimento. O projeto já consumiu 40 milhões de dólares – a previsão é que outros 15 milhões a 20 milhões sejam necessários até o fim do contrato”, detalha a reportagem.

Assim, com base no conjunto de provas, a juíza Fernanda Tessmann concluiu que a intenção do empresário e da empresa Sudanese foi a de “fraudar os direitos trabalhistas dos empregados, operando contratações irregulares de brasileiros para laborar em território estrangeiro”. Dessa forma, reconheceu a responsabilidade solidária de ambos pelos créditos trabalhistas do operador de máquinas, condenando-os ao pagamento de aviso prévio, férias, 13º salário, FGTS com acréscimo de 40% e multa pelo atraso na quitação das verbas rescisórias.

Dano moral

O trabalhador também irá receber compensação pelo dano moral sofrido durante o contrato de trabalho em ambiente inseguro e hostil no exterior, zona de conflito entre terroristas, guerrilheiros e disputas dos governos do Sudão do Norte, Sudão do Sul.

Depoimentos e testemunhos relatam diversas ameaças feitas pelos rebeldes, caso em que os próprios trabalhadores tiveram que interceptar caminhonete de rebeldes para que não invadissem a fazenda, diversos conflitos nos arredores. Aliado a isso, também recebiam intimações das autoridades locais para prestar depoimento por falta de pagamento de contas de água e mantimentos e por plantarem em área de disputa de terra.

Testemunhos e e-mails trocados entre o trabalhador e o empresário comprovaram, ainda, reiterados atrasos salariais e condições inadequadas de trabalho e sanitárias, chegando a faltar comida nos últimos meses do contrato.  “O não pagamento dos salários mensalmente e a exposição do autor a situação de risco iminente configuram evidentes prejuízos de ordem moral, uma vez que o empregado ficou desprovido do seu sustento e o de sua família e tinha sua integridade física e psicológica ameaçada”, concluiu a juíza, que fixou em 20 mil reais o valor da indenização.

Por fim, a empresa e o empresário foram condenados a arcar com o pagamento de honorários ao advogado do trabalhador, de 10% sobre o valor bruto da condenação.

A empresa tentou reverter a condenação com recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT). O recurso foi distribuído à 1ª Turma, mas o mérito do pedido não foi analisado por falta de comprovação do pagamento do depósito recursal.

PJe 0000600-93.2018.5.23.0076

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 23ª Região Mato Grosso, por Aline Cubas, 28.07.2021

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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