Acordo homologado em lide simulada é anulado pela Justiça do Trabalho

20 jul 2021

Foi provado que a ex-empregadora condicionou o pagamento das verbas rescisórias ao ajuizamento da demanda e realização do acordo.

Por maioria de votos, os integrantes da 2ª Seção Especializada de Dissídios Individuais julgaram procedente a ação rescisória ajuizada por ex-empregado de uma pizzaria para determinar a desconstituição da transação judicial homologada pelo juízo da 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Atuando como relator, o juiz convocado Flávio Vilson da Silva Barbosa reconheceu, no caso, que a ex-empregadora condicionou o pagamento das verbas rescisórias ao ajuizamento da demanda e realização do acordo, em clara ocorrência da chamada “lide simulada”.

Na ação, o trabalhador acusou a ex-empregadora de praticar fraude e conluio com o procurador nomeado no processo. Invocou a aplicação do artigo 966, inciso III, do CPC, que prevê que “a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei”.

O autor alegou que teria sofrido coação moral pela sócia da pizzaria para que assinasse procuração para um de seus advogados. A mulher teria lhe dito que só assim poderia receber seu acerto rescisório e de forma mais rápida. Caso não assinasse procuração, deveria procurar a Justiça do Trabalho, mas não receberia ou então eles iriam “enrolar” por muitos anos.

De acordo com o autor, a prática de coagir os empregados seria comum na empresa. Para provar essa versão, apresentou áudio no qual a sócia da pizzaria explicava a uma ex-empregada a forma de agir da empresa para resolver o acerto na Justiça e o que aconteceria caso ela não aceitasse os termos da empresa. O trabalhador também sustentou que assinou a procuração por ser leigo e não ter como argumentar, precisando receber seu acerto rescisório.

Ainda segundo o autor, ele não conhecia o advogado e o teria visto pela primeira vez na sala de audiência, quando foi fechado o acordo. Na audiência, teriam dito a ele que o valor acordado de R$ 2.700,00 se referia ao pagamento de seu acerto rescisório. O pagamento teria sido diretamente ao advogado, contrariando o “acordo” que previa depósitos das parcelas na conta do autor. A própria ré teria providenciado o pagamento da verba honorária ao advogado. O autor finalizou seu relato, afirmando que a prática descrita já teria sido utilizada pela ré em outros processos.

 Lide simulada – Na decisão, o juiz convocado e relator explicou que o ardil denominado “lide simulada” é procedimento manifestamente antijurídico e insurgente contra o próprio direito. Fez referência ao então juiz do trabalho José Roberto Freire Pimenta, atualmente ministro do TST, ao publicar, no ano de 1999, o artigo “Lides simuladas: a Justiça do Trabalho como órgão homologador” (“in” Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, p. 119-152, Jul/Dez-99), em que já estimava que, nos grandes centros, as reclamações simuladas correspondiam a aproximadamente 20% a 30% do total das ações trabalhistas ajuizadas.

 “Como característica, a lide simulada geralmente é engendrada de forma bastante discreta, de modo a minimizar os riscos de o estratagema vir à tona. Desse modo, a produção de prova robusta sobre sua ocorrência é desiderato de difícil cumprimento, sendo satisfatória a sua demonstração em juízo por indícios e presunções ou mediante prova testemunhal ”, explicitou.

Provas – Para o relator, as provas confirmaram que a ré tem por hábito valer-se do Poder Judiciário como órgão homologador de rescisões de contratos de trabalho, sempre se conciliando com a parte reclamante e obtendo a quitação plena dos direitos trabalhistas.

Testemunha afirmou que a ré lhe propôs acordo no qual teria de devolver o valor da multa do FGTS e que esse ajuste teria sido aceito por outros trabalhadores. Outra testemunha disse que firmou acordo com a empresa, nos mesmos moldes narrados pelo autor, sem ao menos conhecer o advogado constituído, contratado pela ré.

Na visão do relator, ficou evidenciado que, à semelhança da postura adotada com o autor, a empresa ré age sistematicamente, deixando de pagar as parcelas rescisórias devidas voluntariamente, e preferindo efetuar a composição pela via judicial, sempre em situação mais vantajosa. “Tudo isso configura um relevante indício de fraude, pois obtendo a quitação de todas as verbas do extinto o contrato de trabalho, a reclamada se livrou de eventual discussão judicial com possibilidade razoável de sucumbência no tocante a eventuais verbas trabalhistas devidas no curso laboral.”, concluiu na decisão.

O magistrado lamentou que muitas vezes o Poder Judiciário é utilizado como mero órgão homologador de rescisões. Por se convencer da existência de fraude no caso, determinou a rescisão do acordo firmado entre as partes, nos termos do artigo 966, inciso III, do CPC. O relator registrou não se cogitar de extinção do processo originário sem resolução de mérito, por não se amoldar o feito ao disposto na OJ 94 da SBDI-2/TST (“A decisão ou acordo judicial subjacente à reclamação trabalhista, cuja tramitação deixa nítida a simulação do litígio para fraudar a lei e prejudicar terceiros, enseja ação rescisória, com lastro em colusão. No juízo rescisório, o processo simulado deve ser extinto”).

De acordo com a decisão, “em juízo rescisório, aplicando-se o princípio da razoável duração do processo e da eficiência, determina-se o retorno dos autos à origem, para o juízo conceda prazo para aditamento à inicial, com constituição nos autos, pelo autor, de procurador, caso assim deseje, procedendo-se ao regular trâmite processual e proferindo-se, ao final, o julgamento da demanda, como se entender de direito”.

Determinou-se que fosse abatido, do montante final da condenação, o valor recebido pelo autor por força do termo de conciliação rescindendo, visando a evitar o enriquecimento sem causa da parte. Em razão das irregularidades constatadas, o julgador ainda determinou a expedição de ofício à OAB.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 19.07.2021

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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