Juíza autoriza rescisão indireta e determina indenização a trabalhadora gestante que foi constrangida pela supervisora

15 abr 2021

Uma empresa de telemarketing foi condenada a pagar R$ 5 mil de indenização por danos morais à ex-empregada grávida que sofreu cobranças para tomar providências quanto aos cuidados da filha de dois anos, de modo a não interferir em sua produtividade no trabalho. A decisão é da juíza Flávia Fonseca Parreira Storti, em sua atuação na 39ª Vara do Trabalho de BH, que também declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho, determinando o pagamento das verbas rescisórias devidas, bem como indenização substitutiva ao período de estabilidade da gestante.

Na ação, a empregada alegou que passou a sofrer assédio moral após comunicar a segunda gravidez à empregadora, o que foi negado pela defesa.  Ao analisar as provas, a magistrada concluiu que a empregadora ultrapassou limites ao entrar na intimidade da empregada para cobrar comportamentos na vida familiar e pessoal.

A conclusão se baseou em conteúdo de conversas extraídas de áudio apresentado nos autos. Em um dos trechos, a gestora disse à empregada: “se fosse hoje, você não seria contratada, porque toda semana você tá dando problema, toda semana você não tem com quem deixar a sua filha”. Mais adiante, afirmou: “hoje avaliando o seu cenário, avaliando o seu resultado, eu não acho que você vai ter condições de cuidar de duas crianças”.

Na decisão, a julgadora citou a íntegra do diálogo e observou que a gestora orientava a trabalhadora sobre os horários de trabalho, atrasos ocorridos e sua influência na verificação dos resultados. No entanto, reputou invasivas as considerações acerca de cuidados com os filhos, ainda mais porque a trabalhadora estava grávida.

“Ficou suficientemente demonstrado que a reclamante foi exposta a situação constrangedora e humilhante, eis que a autora, estando em estado gravídico, encontrando-se sensível e fragilizada, foi acusada pela preposta da ré de não ter capacidade de cuidar de seus dois filhos”, registrou na sentença.

Para a magistrada, não há dúvidas de que a conduta adotada pela ré “extrapola os limites da razoabilidade e do poder diretivo do empregador, ferindo a dignidade da reclamante e violando os preceitos de proteção à maternidade, assegurados constitucionalmente”. A indenização foi fixada em R$ 5 mil, levando em consideração diversos aspectos envolvendo o caso.

Rescisão indireta

A julgadora ainda declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho, com base no artigo 483 da CLT, o que ensejou a condenação ao pagamento de verbas rescisórias como se a dispensa fosse sem justa causa. A juíza explicou que o artigo 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, da Constituição Federal de 1988 garante o emprego à gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Diante do contexto apurado nos autos, determinou o pagamento em forma de indenização substitutiva.

“Diante do constrangimento pelo qual passou a autora, que se mostrou, em audiência, abalada emocionalmente com os fatos ocorridos, entendo ser desaconselhável a manutenção do emprego, pelo que é devida a indenização substitutiva do período estabilitário”, destacou na decisão.

Recurso

O TRT de Minas Gerais confirmou os entendimentos. Em seu voto, o relator do recurso na Décima Turma, desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal, considerou que, a despeito de a intenção de fundo da gestora na conversa transcrita ser a cobrança de pontualidade e de organização do trabalho por parte da empregada, houve abuso no exercício do poder diretivo.

Para o relator, nitidamente, a gestora pressionou, de forma desarrazoada, a trabalhadora a tomar providências quanto aos cuidados de sua filha de dois anos. Assim como a juíza Flávia Storti, o magistrado entendeu que a empregadora adentrou, indevidamente, na esfera pessoal e familiar da trabalhadora, fatos que se agravaram ao se considerar que ela estava grávida e fragilizada emocionalmente.

 “Não se olvida que a compatibilização entre a vida profissional e a maternidade é questão por demais tormentosa para as mulheres e, lamentavelmente, na prática, embora há muito vigore o artigo 5º, I, da Constituição da República, dispondo que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, certo é que a gravidez e a maternidade, embora primordiais para a constituição de qualquer sociedade humana, ainda são tidos como fatores que tornam a mão-de-obra feminina menos valorizada, em relação à masculina.”, destacou no voto.

Ainda segundo observou o relator, esse estigma, sob cuja ótica os filhos – “futuro da nação” – e a gravidez, são vistos como “entraves”, é nítido no discurso da preposta da empregadora, curiosamente também uma mulher…

O desembargador chamou a atenção para o fato de a CLT, diploma muitas vezes considerado ultrapassado, há muito preconiza a proteção ao mercado de trabalho da mulher, e também à pessoa da mulher, trabalhadora e gestante, ao dispor:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

[…]

II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

[…]

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; (grifos acrescidos; Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999).

Diante disso, pontuou estar a conduta da empregadora em total descompasso com o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, e o abuso de direito perpetrado ser evidente e lamentável. Para o relator, a supervisora extrapolou seu poder diretivo, ao se imiscuir, de forma temerária, na vida pessoal e familiar da subordinada, fato que poderia desencadear abalo psicológico e fisiológico apto a comprometer a gestação.

No caso, o relator deu provimento parcial ao recurso da reclamada somente para excluir da condenação o pagamento de saldo de salários (17 dias) e salário-família proporcional aos dias trabalhados, uma vez que já haviam sido pagos. A decisão foi unânime.

(0010255-81.2020.5.03.0139)

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 15.04.2021

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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